Domingo, 1 de Fevereiro de 2009

loja de trabalho

Quando viajei para Veneza foi-me dito que tinha muita sorte, "ah, Rui, siete molto fortunato!", porque a chuva dos dias anteriores tinha sido tanta que a água chegava aos joelhos, mas com a minha chegada tinha ficado bom tempo. Quando estive em Paris, também me foi apontada uma imensa fortuna, "oh, Rui, vous êtes trés chanceux!", porque o bom tempo que tive não fazia adivinhar o clima de franca caca dias antes. Quando regressei a Aveiro este fim-de-semana, a minha mãe bem me avisou do mau tempo, "Rucoquinhas lindo!, olha que está muita chuva aqui, traz o casaquinho impermeável!", mas ainda apanhei Sol e céu aberto.


Parece que Deus me tem em conta como alguém para quem uma vida de pouco dinheiro e ainda menos sexo pode ser compensada com um qualquer super-poder de atrair o bom tempo para onde vou, só que esquece noites como a desta semana, em que acordei com os ouvidos a berrarem que lhe estavam a espetar lâminas em brasa e a atirar sal e vinagre para cima. Percebi nesse momento mais um frio e cruel facto da vida adulta, quando olhei em volta e não encontrei ninguém a quem pudesse choramingar mimos e pedir que me levasse ao médico, pelo que tive mesmo de ir sozinho até ao Hospital Santa Maria, cujos corredores vazios da madrugada o tornavam tão confortável e acolhedor como um filme do Stanley Kubrick. Corredores e elevadores não faltavam, sangue, sendo um hospital, também devia haver em abundância, e só faltava um par de gémeas a olharem-me com cara de caso para completar o cenário. É curioso haver quem considere este género de filmes como geniais, porque nos filmes que costumo ver na Internet, duas gémeas a olharem-me seria o suficiente para me saltarem em cima e termos logo ali um caso tórrido, e isso sim, deveria ser o verdadeiro toque de génio que a Vida devia imitar. Mas ainda há quem prefira histórias de hotéis onde morreram pessoas, e depois há lá alguém que talvez seja um fantasma mas que não se sabe muito bem se está morto ou não, e ele passa o tempo a enfiar a cara nas portas e a gritar o nome dele feito maluquinho. Tudo bem, considerem isto genial, mas eu sei bem o que quero. 

 

Esta dicotomia entre a Vida e a Arte porque descobri há pouco tempo que escrever como me sinto dividido, e como o confronto entre lógica e emoção que carrego ameaça revelar-me o abismo da alma humana, dirão que sim senhor, que profundidade!, a revelar todo o poeta dentro de mim, mas se este género de conversa surgir num encontro de café, dizem logo para me deixar de mariquices, e que me espetam um par de estalos se volto a dizer parvoíces dessas. É um facto que as emoções virtuais são sempre mais consideradas que as reais, uma maneira mais academicamente colocada de dizer que sabemos mais da vida do doutor House do que dos nossos vizinhos de cima. Eu por acaso até sei bastante acerca dos meus vizinhos de cima, que ainda no outro dia fomos ao Casino de Lisboa ver os Stomp, mas ainda assim este não deixa de ser um tema brilhante para uma tese de doutoramento.
 

Toda esta lenga-lenga porque esta semana fui seleccionado para um workshop das Produções Fictícias, e achei por bem apresentar o texto que enviei no início do ano e que serviu como critério de selecção. Mas antes disso, gostaria de referir que habituar os leitores a um nível de criação que modestamente pode ser tido como genial dá azo a que me perguntem porque não tenho escrito nada, sendo "perguntar" aqui um eufemismo. Descansado a sair de casa, quando me saltaram em cima, a la desenhos animados, e não, infelizmente, não foram duas gémeas que me saltaram para cima prontas a passarem à acção, mas fãs a exigirem mais um artigo, que já tinha passado demasiado tempo desde o último, não aguentavam mais, já estavam a ficar taradas, etc. Artistas de inferior craveira podiam comparar pensar estas gentes como toxicodependentes para quem cada novo artigo é uma dose diária, mas é tão mais correcto comparar cada nova entrada neste espaço a uma louca e espectacular sessão de amor, inacreditavelmente satisfatório, mas sempre com a vontade de repetir no dia seguinte. Enfim, para elas:

  

Ao pedirem um texto de tema livre como factor de escolha para um workshop das Produções Fictícias, bem podiam exigir que resolvesse o problema da fome no mundo, ou o conflito do Médio Oriente, ou qualquer outra questão menos complexa. Sou um fenomenal indeciso, incapaz de tomar uma opção mesmo que a minha vida dependa disso, como, por exemplo, um tema a abordar para um workshop das Produções Fictícias. Os meus dias começam mal quando, logo de manhã, a minha mente computa todas as múltiplas variáveis de aquecer a água para o café no fogão ou no micro-ondas, e dou por mim a fazer intensas pesquisas teóricas da movimentação de moléculas se aquecidas por fogo ou por microwaves. E a água por aquecer. Agora lá escolher um tema a abordar para um workshop das Produções Fictícias!

 

Como bom cristão, deixei dois segundos a perceber se a igreja me podia ajudar nesta tão tormentosa hora, mas disseram-me, nem penses nisso!, o papa é um incoerente que um dia chora o Amor como a salvação da humanidade, e no outro acha que a homossexualidade é pior que a destruição da Amazónia. O problema aqui é a grande falha da espécie humana, i.e., a incapacidade de comunicar directamente, mente a mente. É algo que, da minha parte, faz com que me finja muito atento ao que a menina conta, enquanto penso como gostava de levá-la para um lugar sossegado onde a pudesse desfazer em mimos. E por outro lado, faz com que percebam tão mal as palavras do chefe supremo da igreja: todos têm direito ao Amor, desde que cumpridos pequenos critérios de religião, altura, peso, sexo (ou falta de), se usam óculos, aparelho, boné metido para o lado, ou se quando se calçam apertam primeiro o sapato direito. Tão simples, e o Paraíso Eterno. Os outros ardam no Inferno, cambada de gentes que apertam primeiro o sapato esquerdo.

 

Mas mesmo Deus não me vai valer quando o limite estabelecido de uma página está a terminar. Estou com o desconforto que tinha quando um exame estava a acabar, e eu percebia que se calhar não devia ter passado o tempo a fazer um desenho, ainda que de elevado nível artístico e conceptual, do chefe dos Transformers bons a lutar contra o Batman. Aí recorria ao infalível truque de meter respostas ao calha e rezar para que batessem certo, e por isso ainda hoje antigos professores me explicam que o Cinco de Outubro de Mil Centro e Quarenta e Três não foi o ponto de viragem da Segunda Guerra mundial, e que certamente o Carlos da Maia não terminou com a Maria Eduarda por ela ser uma alienígena disfarçada.


Para fingir que esta amálgama desconexa de parvoíces tem uma sequência lógica, vou inventar um título. Parece que um título é coisa para se deixar no início, mas, deixa cá inventar uma desculpa que também pareça assim toda artística, quebrar as barreiras estabelecidas é um passo importante da Criação. Portanto, aqui vai o título: Indecisão!, ou como não consegui pensar num tema para o workshop das Produções Fictícias


A ver se me safo desta.

 

publicado por Rui às 20:24
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1 comentário:
De Anónimo a 2 de Fevereiro de 2009 às 18:04
A mãe disse "Rucoquinhas, bla bla, bla". E o pai, não disse nada?Pois, os pais não falam em caricias, limitam-se a tapar a moto com uma manta, para que quando for preciso utilizá-la estar minimamente apresentável , em termos de pó acumulado. Ser pai é duro, digo eu. Já agora vê se vais mais vezes até ao Litoral, porque, ao que me dzem, não há meio de o tempo melhorar por lá lol lol lol
Abraço


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