É um facto que por estes dias já não se odeia nada nem ninguém. Quanto muito, tem-se "uma experiência". Não se detesta o patrão alucinado e de cabelos desgrenhados que ainda mal entrou pelo corredor e já vem aos berros: não, é "uma experiência" conhecer alguém assim. Não se odeia a amante que era uma histérica que reclamava de todos aquilo que ela própria estava sempre a fazer: de maneira alguma, "uma pessoa torna-se mais forte" com uma relação destas. Não sobe à garganta o asco e a bílis de ser atropelado por uma ambulância do INEM e, como resultado, ficar paraplégico com apenas alguns anos de vida: não, é "uma oportunidade". Não se esclarece que oportunista oportunidade abre uma oportunidade destas, mas fica esclarecido: é uma oportunidade.
Por outro lado, ama-se muito. Discordo em absoluto de quem defende a Bíblia como a suprema obra de Amor, pois há muito percebi que é a revista Caras que devia carregar tão digno galardão. Sempre que o meu coração se sente negro, retorcido, avassalado pelas circunstâncias do Universo, basta passar os olhos pelas capas do Jet 7 nacional para ficar com uma renovada fé na Humanidade: tantos "eu amo a vida" e "tenho sede de viver" são algo tão digno de ser apreciado quanto os Evangelhos. Quem disse que as elocubrações de Paulo, Lucas e Mateus são mais dignas que as entrevistas de Caneças, Bobone e Castelo-Branco?