Domingo, 11 de Janeiro de 2009

dois mil e nove

Acontece neste momento da minha vida estar a trabalhar num contact center, com pouco mais que o salário mínimo, sem meios de conseguir uma viatura própria ou um seguro de saúde, a ideia de um futuro com casa própria e duas filhas lindas a esfumar-se mais rapidamente que uma barata atingida pela bomba atómica. Faz-me pensar se não me devia tornar uma daquelas pessoas que consideram que a vida está um excremento cada vez mais borbulhante, e que exercem o seu direito de cidadania nos brilhantes exercícios que são os comentários do Expresso.

 

Mas continuo sem vontade de destilar bílis para cima da sociedade, porque a) mesmo sem dinheiro, carro, ou meninas, estou em circunstâncias pessoais de alguma relativa felicidade, e b) não ter conseguido, desde que era um puto até este momento, perceber o que queria exactamente da Vida. Conheço vastos e espectaculares intelectos de pessoas que ficariam agora a escarnecer "mas então ainda não sabes o que queres da Vida?", com aquele tom de voz mesmo exacto para me fazer pegar na cadeira mais próxima e atirar-lhe à cara.

 

Mas a resposta faz parte de uma questão importante, pelo que deixo a cadeira no sítio para responder: não, não sei. E é tão simples como isso. Não me prepararam para o procurar. Nunca soube como o perceber. Percebi a importância da estrutura estrófica dos sonetos de Camões, mas não como alcançar os meus valores mais íntimos. Alcancei que a função tangente se devia à razão entre as funções seno e coseno, mas não determinei estratégias para cumprir esses valores. Determinei a intersecção de um plano oblíquo por um cone, e respectiva sombra, mas não atingi o delicado equilíbrio entre objectivo, estratégias e concretizações.

 

Mas cresço, finjo que aprendi com os erros, e percebo que uma das mais importantes lições de Vida nunca foi ensinada porque, obviamente, a maioria não sabe como o fazer. O acaso, a consciência e a fortuna ditam quem alcança os lugares cimeiros, e desses uma maioria olha de cima para escarnecer os restantes. Até a Vida lhes trocar as voltas para os fazer perceber que não conseguiram assim tanto. Manda a minha tão humana consciência reparar que uma minoria, todavia, consegue com todo o mérito pessal, e para esses uma salva de palmas.

 

Perceber os objectivos de uma vida, e como os alcançar, não é uma questão menor. Há quem o consiga por si próprio, mas para os restantes são necessárias ferramentas de procura, pesquisa e reflexão que não são atingidas apenas porque se quer. É o mesmo que dizer que qualquer jogador de futebol chega ao nível do Cristiano Ronaldo só porque lhe apetece. Torce-me o coração ver tantos miúdos rejubilantes a entrarem na Universidade sem terem a real percepção do curso escolhido no mercado de trabalho, em instituições sem qualquer prestígio para as empresas, sem noção de como articular as ferramentas que vão ganhar com as exigências da actual sociedade. Alguns, poucos, irão perceber por si. Outros irão acabar o curso a enviar dezenas de currículos sem perceber porque não conseguem resposta, a tentarem um mestrado no qual (os pais) irão dedicar alguns milhares de euros sem retorno, e finalmente a resignarem-se às caixas do Jumbo e aos comentários do Expresso.

 

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publicado por Rui às 20:22
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3 comentários:
De Nuno a 12 de Janeiro de 2009 às 01:45
Concordo inteiramente com a tua conclusão. E deixa-me dizer-te um segredo: poucos são aqueles que sabem o que querem da vida, mesmo os que têm sucesso.

Na minha óptica, a vida é tão aleatória que o segredo existe no saber aproveitar aquilo que nos é deparado, mais do que ter planos e contingências.

Pegando no teu exemplo da formação superior:

Como está uma pessoa apta a decidir o que vai querer da vida aos 14-15 quando termina o 3.º ciclo? Mas é justamente aí que decides para que curso vais concorrer. E não no final do secundário.

Nessas idades escolhes pelo que tiveste a sorte de perceber que te agrada e poderá proporcionar futuro, não pelo que terá peso no mercado de trabalho daí a uns 7-8 anos. E ai reside a aleatoriedade de tudo o que nós definimos como caminho de vida, simplesmente através do que tiveste a sorte de conhecer.

E por isso digo, não saber o queres na vida pode até ser chato e mau, mas ao menos estás sempre aberto a novas oportunidades, por não estares comprometido com esta ou aquela.

Enfim, eu também já passei por esta fase de indefinição, já vivi o Inferno de não ter perspectivas, de não saber responder quando me perguntavam o que queria da vida. Afinal queria que não tivesse que pensar nisso!

Agora estou num caminho que sei que não vai ser fácil, mas ao menos estou a gostar do que estou a fazer e como dizia alguém, o objectivo da vida não é chegar à sua conclusão - que é afinal a Morte - mas sim tudo o que vivemos, apreciamos, amamos, sofremos e odiamos no entretanto.

Um abraço, e espero que em breve este Matrix em que vivemos tenha mais um dejá-vu e as cartas que te forem dadas te permitam fazer outro jogo. :)


De anonimo três pontinhos a 12 de Janeiro de 2009 às 13:15
Por incrível que pareça, existem realmente imensas pessoas que, tal como tu, estão instaisfeitas com a sua vida profissional. Mesmo com carro próprio e a ganhar bem mais do que o salário mínimo!

Quando, apesar de possuirmos bens materiais e pessoais relativamente melhores do "um excremento cada vez mais borbulhante", sentimos que a missão, ou está distorcida ou realmente não existe, é sinal que temos de mudar drásticamente de estratégia, ou no mínimo de ares...O que se passou é que provavelmente uns dias não chegam...

Drástico é seguir o coração! Drástico e loucura óbvio...

E por falar em mudar de ares...vou tentar ser o mais drástica possível e informo que estou voltando para aquele lugar solarento que tanto gostei de estar!!!




De José a 24 de Janeiro de 2009 às 13:04
Deixa-te ir pelo rio, vais ver que vais acabar no grande oceano da vida.


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