Acontece neste momento da minha vida estar a trabalhar num contact center, com pouco mais que o salário mínimo, sem meios de conseguir uma viatura própria ou um seguro de saúde, a ideia de um futuro com casa própria e duas filhas lindas a esfumar-se mais rapidamente que uma barata atingida pela bomba atómica. Faz-me pensar se não me devia tornar uma daquelas pessoas que consideram que a vida está um excremento cada vez mais borbulhante, e que exercem o seu direito de cidadania nos brilhantes exercícios que são os comentários do Expresso.
Mas continuo sem vontade de destilar bílis para cima da sociedade, porque a) mesmo sem dinheiro, carro, ou meninas, estou em circunstâncias pessoais de alguma relativa felicidade, e b) não ter conseguido, desde que era um puto até este momento, perceber o que queria exactamente da Vida. Conheço vastos e espectaculares intelectos de pessoas que ficariam agora a escarnecer "mas então ainda não sabes o que queres da Vida?", com aquele tom de voz mesmo exacto para me fazer pegar na cadeira mais próxima e atirar-lhe à cara.
Mas a resposta faz parte de uma questão importante, pelo que deixo a cadeira no sítio para responder: não, não sei. E é tão simples como isso. Não me prepararam para o procurar. Nunca soube como o perceber. Percebi a importância da estrutura estrófica dos sonetos de Camões, mas não como alcançar os meus valores mais íntimos. Alcancei que a função tangente se devia à razão entre as funções seno e coseno, mas não determinei estratégias para cumprir esses valores. Determinei a intersecção de um plano oblíquo por um cone, e respectiva sombra, mas não atingi o delicado equilíbrio entre objectivo, estratégias e concretizações.
Mas cresço, finjo que aprendi com os erros, e percebo que uma das mais importantes lições de Vida nunca foi ensinada porque, obviamente, a maioria não sabe como o fazer. O acaso, a consciência e a fortuna ditam quem alcança os lugares cimeiros, e desses uma maioria olha de cima para escarnecer os restantes. Até a Vida lhes trocar as voltas para os fazer perceber que não conseguiram assim tanto. Manda a minha tão humana consciência reparar que uma minoria, todavia, consegue com todo o mérito pessal, e para esses uma salva de palmas.
Perceber os objectivos de uma vida, e como os alcançar, não é uma questão menor. Há quem o consiga por si próprio, mas para os restantes são necessárias ferramentas de procura, pesquisa e reflexão que não são atingidas apenas porque se quer. É o mesmo que dizer que qualquer jogador de futebol chega ao nível do Cristiano Ronaldo só porque lhe apetece. Torce-me o coração ver tantos miúdos rejubilantes a entrarem na Universidade sem terem a real percepção do curso escolhido no mercado de trabalho, em instituições sem qualquer prestígio para as empresas, sem noção de como articular as ferramentas que vão ganhar com as exigências da actual sociedade. Alguns, poucos, irão perceber por si. Outros irão acabar o curso a enviar dezenas de currículos sem perceber porque não conseguem resposta, a tentarem um mestrado no qual (os pais) irão dedicar alguns milhares de euros sem retorno, e finalmente a resignarem-se às caixas do Jumbo e aos comentários do Expresso.