Há sempre um momento na minha vida em que alguém me tenta convencer que há quem esteja muito pior. Assaz, concedo, não devo jamais esquecer quem trabalha no Pingo Doce e é obrigado a levar com aquela história do, goste ou não, e não gosta, de certeza que não gosta, venho ao pingo doce de janeiro a janeiro, pelas oito horas do expediente. Música no mesmo sentido em que o estardalhaço provocado por deixar cair ao chão todo o serviço da Vista Alegre da minha mãe poderia ser considerado música, i.e., nenhum, e contagiante no mesmo sentido em que uma gripe, gripe normal, gripe de macho, não essa mariquice de nova gripe que anda para aí a ser alardeada como a nova peste bubónica e se está a revelar não mais que um flato, incómoda, sem dúvida, mas inofensiva, pode ser considerada contagiante. Ou contagiosa, sim, se por acaso quem me lê perceber que estou a deturpar o sentido dos termos para melhor encaixar a dicotomia música do pingo doce, i.e. gripe, i.e., contagiante/contagiosa, pode fingir que está a ler um texto do Eça de Queirós e escrever uma tese de pós-doutoramento sem nenhuma relevância no actual contexto sócio-económico acerca da deformação do significado dos termos enquanto potenciador da expressividade do artista. E se quem lê considera que estou a ser um idiota ao comparar-me ao Eça, pode também fingir que está a ler um texto da Linda Reis e que reencarnei o imortal poeta tal como a stripper encarnou a não tão imortal princesa Diana. E olhem que a Linda Reis até foi ao programa do Herman à pala disso, enquanto eu me fico por uma participação de exactos vinte e quatro fotogramas num filme do Mário Augusto e de rigorosos alguns segundos num sketche do Contra, portanto alguma isso da reencarnação coisa deve render. Vou apontar na agenda para mais tarde verificar. Tudo é mais fresquinho, tudo tem mais sabor.
Uma das questões de morar em Lisboa é que se passa a ficar no centro das notícias, quando não mais os acontecimentos são algo à distância do ecrã da televisão. Um segurança esfaqueado no Colombo? Estava lá. Inundações invadem a cidade? Ainda nem sabia das notícias e já chegavam a casa a avisar que a cidade "estava um caos". Manifestações com milhares de participantes? Preso dentro do autocarro por causa dos congestionamentos provocados. Professores juntam-se às centenas em frente ao Ministério para mostrar o desagrado pelas políticas da ministra? Com o Ministério da Educação mesmo em frente da casa, os constantes berros e músicas de intervenção não me deixam mas é dormir!
O bullying é assim um fenómeno que anda a despertar a atenção dos especialistas. Especialista é isto: descobre algo que sempre existiu e dá-lhe um nome integrado e sustentável. A partir daí ganha a vida como "o pai disto" ou o "mais respeitado investigador daquilo". O bullying é aquela moda, que sempre existiu, de massacrar quem fosse mais feio, mais tótó, ou que de alguma maneira mais se destacasse da multidão (e se a maneira de se destacar na multidão podia ser extensa: usar óculos ou aparelho dentário, ter borbulhas ou espinhas, com altura ou peso a mais ou a menos, demasiado bonito ou demasiado feio, etc, etc, etc.). Agora, |activar modo de demagogo foleiro|, sim, porque o bullying é uma das mais preocupantes tendências da sociedade contemporânea, à qual urge encontrar soluções integradas e sustentávels, sob o risco de deixar as vítimas escalarem numa espiral de violência e degradação |desactivar modo de demagogo foleiro|, mas o mais certo é que qualquer pessoa saudável leva com um bully, mais tarde terá oportunidade ele próprio de se tornar um, e com um crescimento integrado e sustentável, acabar por livrar os mais pequenos daqueles que os atormentam, dando-lhes a eles a oportunidade de se tornarem um bully e assim dar continuidade à grande roda da vida que é a escola. Não para os especialistas, para quem qualquer vítima fica logo traumatizada, a precisar de tratamento psicológico e um viciado em Prozac e o Seroxat incapaz de se relacionar com as pessoas, para sempre! Daí a um Seung-Hui Cho não tarda.
Agora, o que faltou ao Bin Laden e ao assecla Ayman Al-Zawahiri, lá enquanto andavam pelos liceus das Arábias, foi alguém que lhes mandasse uns quantos cachaços. Quem leva com um bully, se tiver um mínimo de esperteza, aprende a metê-lo a correr. É catarse: ao saber afastar os agressores, aprende também a afastar os fantasmas que fizeram, em primeiro lugar, com que tivessem de levar com as chatices. E podem seguir a vida, sem ficar a pensar em vinganças e coisas feias. Mas os senhores da Al-Qaeda eram os perfeitos tótós: filhos de papás ricos, bons alunos e maus desportistas, Bin Laden era frágil e de modos suaves, Zawahiri não teve uma única namorada até aos trinta anos. E se gostavam de inventar histórias! Além de todas aquelas parvoíces de andarem a servir a vontade de Deus, lá o Bin, quando levou com um bombardeamento soviético no meio do Covil do Leão, ficou tão borrado de medo que desmaiou em pânico - e, no entanto, foi dizer que em tamanha paz espiritual que até adormeceu. Quanta gente vi eu a levar umas rasteiras nas aulas de Educação Física por inventar muito menos! Tivessem estes senhores levado com um massacrante chorrilho de graçolas sobre as suas performances sexuais, e teriam aprendido a libertar-se de pensamentos mesquinhos e de outras ideias feias. Como nada disso aconteceu, aí está o mundo como está.
Nota: por feliz coincidência (e se o Bloquito é feito de felizes coincidências!), o título deste artigo acabou por se assemelhar a "Bully For Bugs", uma daquelas obras-primas de cinco minutos que o Chuck Jones disparava à mesma velocidade com que neste recanto se atiram patacoadas de parvoíces. E se isso não basta para vos convencer da genialidade deste Senhor - assim mesmo, com S maiúsculo - apanhem a sequência em que Bugs aparece com a "El Jarabe Tapatío", a dança do chapéu. Por favor, uma pausa para sete minutos e doze segundos de transcendência espiritual...
E pergunto-lhe, incauto leitor, qual é a semelhança entre mim e a Luciana Abreu?
Momento de pausa para o leitor se maravilhar com a técnica estilística de iniciar o artigo com um choque que capta logo a atenção, técnica utilizada, ainda que obviamente com muito menos sucesso, na sequência inicial d’ “O Resgate do Soldado Ryan”, ou nos primeiros segundos da música da Guerra das Estrelas. |
Ao contrário do que vão pensar, não é uma questão gratuita, daquelas feitas para atrair ao Bloquito(s) quem anda a procurar por “Luciana + Abreu + seios” no Google. Não, é algo com toda uma profundidade, semelhante em relevância à problemática dos velhos que se sentam no café a falar sozinhos. Alguma vez apanharam um destes? Durante esta semana sentei-me a jantar, e na mesa ao lado estava um, a falar para o ar, a gesticular irritado, a abanar a cabeça hesitante. Sozinho, lá está. Aposto que estava a pensar em algo que os irrita tanto a eles como me irritam eles a mim, nomeadamente e mormentes, a mania que as mulheres têm de passar a vida a choramingar que os homens são uma cambada de parvos, idiotas, cabrões, palhaços, imbecis, cromos, burros e bobalhões, entre outros mimos. Não é uma questão que me perturbe a mim, claro, porque após quatro anos de Bloquito, fiquei detentor de todas as verdades do Universo, e estas questões menores não me incomodam – mas se atormentam o atormentado idoso!
Pois, e eu sei que é isto que cada velho que se senta num café a falar sozinho está a pensar, os homens são mesmo, todos eles, uma cambada de parvos, idiotas, cabrões, palhaços, imbecis, cromos, burros e bobalhões. E a culpa, reflecte o reflectivo anoso, é das mulheres, claro. Porque se é um facto tão profundo que os homens fazem qualquer coisa pelas mulheres, porque são eles uma cambada de tudo o atrás descrito? Porque elas gostam assim, e a a partir do dia em que exijam que eles deixem de ser uma cambada de parvos, idiotas, cabrões, palhaços, imbecis, cromos, burros e bobalhões, os homens não terão hipótese nenhuma que não seja deixarem de o ser. E apesar de não ter percebido nada do que o raio do velho sentado ao meu lado dizia, sei que era isto que ele dizia.
Sei também que a doce Luciana gostaria de um homem que com ela partilhasse o facto de ter visto o seu contrato rescindido por uma certa e determinada grande empresa portuguesa (gostaria de salientar que o facto de ser uma "grande empresa" não quer dizer que seja uma "empresa grande", da mesma maneira que uma boa mulher não é necessariamente uma mulher boa). Vai daí que eu, enquanto bom homem, e igualmente homem bom, vi também o meu contrato com essa certa e determinada empresa portuguesa não renovado. Mas apenas por causa da Luciana, a quem aproveito para mandar uma beijoca de agradecimento. E uma outra para agradecer a oportunidade de ter utilizado, pela primeira vez num artigo, a palavra “bobalhões”. Muito obrigado.