A principal diferença entre o Homem e Animal é a capacidade extravagantemente absurda que esses humanos alcançam, não só na arte de pensar, quanto na arte de sentir. Enquanto mesmo um cão, talvez a espécie mais próxima de nós, exprime apenas emoções básicas - alegria, medo, tristeza, surpresa, raiva - qualquer pessoa consegue detonar numa explosão atómica de variedades emocionais. Mesmo as expressões mais simples podem ter diferentes graus de intensidade. O susto pode levar ao medo, o medo ao choque, o choque ao terror; o desconforto pode levar à melancolia, a melancolia à tristeza, a tristeza ao luto. E por aí fora.
Apesar disso, é ainda mais provável que duas emoções surjam juntam, tal como duas cores primárias que são adicionadas para criar uma terceira, e sejam expressas. O nojo e a surpresa levam ao "tu comeste isso?!". A empatia e a tristeza a um "ah, puta que pariu, até a MIM me doeu!". A raiva e a surpresa descambam no "¿¡que cojónes!?" - em espanhol, por supuesto, apenas e não só porque estou a aprender a língua, mas porque é de longe a linguagem mais indicada para peixeiradas e afins.
Mais incrível é termos sentimentos acerca dos próprios sentimentos, e emoções em cima de emoções. O adolescente que em vez de tentar afastar a depressão, enfia-se no quarto a fingir que é dor a dor que deveras sente, e a sentir-se bem por se sentir mal. O desconhecido que manda um espectacular tralho à nossa frente, o que nos faz disfarçar uma gargalhada e sentir mal por nos estarmos a rir. Há, de facto, um imenso universo de possibilidades em todas estas complexidades da Emoção.
Acontece neste momento da minha vida estar a trabalhar num contact center, com pouco mais que o salário mínimo, sem meios de conseguir uma viatura própria ou um seguro de saúde, a ideia de um futuro com casa própria e duas filhas lindas a esfumar-se mais rapidamente que uma barata atingida pela bomba atómica. Faz-me pensar se não me devia tornar uma daquelas pessoas que consideram que a vida está um excremento cada vez mais borbulhante, e que exercem o seu direito de cidadania nos brilhantes exercícios que são os comentários do Expresso.
Mas continuo sem vontade de destilar bílis para cima da sociedade, porque a) mesmo sem dinheiro, carro, ou meninas, estou em circunstâncias pessoais de alguma relativa felicidade, e b) não ter conseguido, desde que era um puto até este momento, perceber o que queria exactamente da Vida. Conheço vastos e espectaculares intelectos de pessoas que ficariam agora a escarnecer "mas então ainda não sabes o que queres da Vida?", com aquele tom de voz mesmo exacto para me fazer pegar na cadeira mais próxima e atirar-lhe à cara.
Mas a resposta faz parte de uma questão importante, pelo que deixo a cadeira no sítio para responder: não, não sei. E é tão simples como isso. Não me prepararam para o procurar. Nunca soube como o perceber. Percebi a importância da estrutura estrófica dos sonetos de Camões, mas não como alcançar os meus valores mais íntimos. Alcancei que a função tangente se devia à razão entre as funções seno e coseno, mas não determinei estratégias para cumprir esses valores. Determinei a intersecção de um plano oblíquo por um cone, e respectiva sombra, mas não atingi o delicado equilíbrio entre objectivo, estratégias e concretizações.
Mas cresço, finjo que aprendi com os erros, e percebo que uma das mais importantes lições de Vida nunca foi ensinada porque, obviamente, a maioria não sabe como o fazer. O acaso, a consciência e a fortuna ditam quem alcança os lugares cimeiros, e desses uma maioria olha de cima para escarnecer os restantes. Até a Vida lhes trocar as voltas para os fazer perceber que não conseguiram assim tanto. Manda a minha tão humana consciência reparar que uma minoria, todavia, consegue com todo o mérito pessal, e para esses uma salva de palmas.
Perceber os objectivos de uma vida, e como os alcançar, não é uma questão menor. Há quem o consiga por si próprio, mas para os restantes são necessárias ferramentas de procura, pesquisa e reflexão que não são atingidas apenas porque se quer. É o mesmo que dizer que qualquer jogador de futebol chega ao nível do Cristiano Ronaldo só porque lhe apetece. Torce-me o coração ver tantos miúdos rejubilantes a entrarem na Universidade sem terem a real percepção do curso escolhido no mercado de trabalho, em instituições sem qualquer prestígio para as empresas, sem noção de como articular as ferramentas que vão ganhar com as exigências da actual sociedade. Alguns, poucos, irão perceber por si. Outros irão acabar o curso a enviar dezenas de currículos sem perceber porque não conseguem resposta, a tentarem um mestrado no qual (os pais) irão dedicar alguns milhares de euros sem retorno, e finalmente a resignarem-se às caixas do Jumbo e aos comentários do Expresso.
Agora que o sonho acabou e a armada germânica derrotou a milícia lusitana, é a altura de lançar umas ideias, e convém dizer que qualquer consideração técnica e estratégica sobre futebol passam-me ao lado como balas do Matrix, porque nem foi há muito tempo que me explicaram o ter o Ricardo Carvalho a central e como isso influencia o modelo de 4x4x2 do Scolari. A não ser, claro, que o modelo seja o 4x3x3 e eu continue sem perceber. Mas porque aprecio os bastidores de conluio, corrupção e chavascal que rodeiam o fascinante mundo da bola, vamos lá.
- uma selecção de futebol é factor de divulgação do país: não tenho acesso aos avançados estudos de correlação futebol / indicadores sócio-económicos, mas será um argumento tão falacioso quanto a modelo que namora um jogador aumentar o valor da sua imagem. Sim, Merche, estamos a olhar para ti, tão valorizada enquanto andavas com o puto e tão chateada quando romperam e as agências diminuíram em muito os teus cachet! Uma país cria verdadeira divulgação, e não um pico orgásmico de um par de semanas, quando as empresas têm condições económicas de se fixarem no território e os turistas tem condições de acolhimento, algo que escapou por completo à grega que nos acompanhou durante os Santos Populares;
- é um dever patriótico apoiar os "Viriatos": se isto fosse o filme "Superman Returns", este seria o momento em que um Kevin Spacey careca berrava "WRONG!". Parece-me um pénis de argumento achar que por todos estarem tão lacrimejantemente preocupados com os jogadores, eles hão-de ficar tão preocupados com todos, o que fica ainda mais parvo quando dois dias antes dos jogos se resmunga que "tudo neste país é uma merda". Mas posso ficar convencido no dia em que vir alguém chorar baba e ranho por o Nuno Delgado falhar a final dos Olímpicos;
- o futebol é um propulsor de energias políticas e financeiras: o Euro 2004 podia ter sido uma oportunidade se tivessem considerado o que fazer com os estádios no após, se o evento fosse por todo o país em vez de ser enfiado no litoral, se houvessem ideias interessantes como deixar Benfica e Sporting a partilhar um mesmo estádio em vez de torrar duas mega-estruturas. Esta ideia deixaria a espumar os mais histéricos, como quem berrou o João Pinto como um símbolo vitalício da Luz que nunca iria sair, meses antes de ele mandar copular a todos e mudar-se para Alvalade, mas é isso que Inter e AC fazem no estádio de San Siro. E que dizer de exemplos como o Beira-Mar, com o estádio construído tão longe da cidade que torna ainda mais difícil a rentabilização, tornando o espaço um vórtice de mil euros diários que não sobrevive sem a autarquia, que não irá deixar cair uma instituição tão "fundamental" quanto aquela equipa.
Mas isto tem de ser o artigo mais inútil que escrevi. Já se fala na hipótese de uma candidatura conjunta com Espanha ao Mundial de 2018, uma ideia tão interessante quanto limparem-me o rabo com lixa de madeira, mas todos irão defraldar as bandeiras e exigi-lo, porque é uma oportunidade única, porque não se pode desprezar a imagem projectada, porque as oportunidades para a criação de empregos são imensas, ainda que a maioria destes vá para os imigrantes de Leste e de África nas obras e os licenciados servirem à mesa os visitantes. Esta semana o José Lello defendeu num debate da RTP o Euro 2004, argumentando que não tinham existido derrapagens orçamentais nos estádios e sim nas envolventes, mas que estádios e envolventes eram coisas distintas que não podiam ser confundidas, um argumento que prova que uma pessoa e um cérebro também são coisas distintas que não devem ser confundidas.
É tipicamente português não se ter um debate verdadeiramente estimulante sem que o mesmo passe efectivamente a uma discussão que parolamente se vai arrastando sem que ninguém consiga ter uma intervenção que realmente nada mais quer que não rebaixar o opositor. Realmente, depois do aborto e do tabaco, encontra-se relutantemente por aí a última tendência, o Acordo Ortográfico, e dizer que é a "última tendência" apenas se pode considerar exageradamente falando, pois já me lembro disto desde que era um puto. É também verdadeiramente português que uma discussão pública se arraste por tantos anos.
Há quem discorde exageradamente do Acordo por por este possivelmente destruir a pureza da língua portuguesa, mas este argumento é, como se designa em círculos academicamente elevados, uma parvoíce. Não se designa de pura uma língua que foi buscar tantas influências a continentes absolutamente tão diversos quanto América (Brasil), Ásia (Macau) e África (todos os PALOP), e mesmo que se possa verdadeiramente considerar a língua como uma das principais riquezas de cada povo, é indubidavelmente factual que qualquer texto "oficial" dos inícios do século XX faria corar vergonhosamente um professor do ensino básico, pelas diferentes construções gramaticais, palavras que vagamente familiares mas tão estranhamente diferentes que qualquer aluno dos nossos dias ao escrevê-las se arriscaria a um estalo. A um estalo ao professor, claro, porque se nos meus tempos um erro como "tantto", com dois t, era caso para um estalo vindo da docente, nos nossos dias daria no máximo uma repreensão à qual o aluno repreendido iria repreendemente repreender a repreendedora com um repreendedor estalo. O facto é que o contacto entre civilizações promove a troca de ideias e inevitavelmente leva à influência mútua e enriquecimento cultural, algo que os Portugueses devem muito desde que se lançaram a dobrar Cabos Bojadores e afins.
Se não concordam que a pureza da língua portuguesa bem podia ser desfeita, recordo só que é culpa dos portugueses que efectivamente existem tantos advérbios. E, claramente, os advérbios são das invenções mais inúteis em qualquer língua, em qualquer país, em qualquer realidade, alternativa ou não. Basta lerem todo este texto, apagar os advérbios (foram, todos eles, propositadamente deixados), e reparar como claramente não fazem falta nenhuma. Há uma história, que ainda estou para confirmar se é verdade, segundo a qual um amigo teria dito a outro que um advérbio era qualquer palavra terminada em -ente. Uma sugestão com a qual o rapazinho, ao ser perguntado mais tarde pela professora sobre um exemplo de advérbio, teria respondido, "pepsodent!".
Agora que está presente a questão da avaliação dos professores e dos problemas da Educação, gostaria de perceber exactamente o porquê d' O Ensino Superior não ser visado nas reformas. O cargo de professor universitário tem de ser o melhor estatuto em Portugal, com todos os benefícios e muitas dúvidas em relação aos "deveres". Óptimos salários, os benefícios das instituições públicas, uma muito beneficiada imagem social que nem os problemas dos docentes do Ensino Obrigatório beliscam, imensa flexibilidade de horário, nem sequer a pressão constante de comissões de avaliação ou semelhantes.
Pode ter sido apenas um mau acaso, mas da maioria dos professores com quem me cruzei, o conceito de "dever" era coisa vaga. Faltarem às aulas por estarem "mal-dispostos", esquecerem-se dos exames e serem lembrados por telemóvel (!), enviarem ao assistente as perguntas do referido exame para as escrever no quadro, acumularem cargos que afectavam os horários das aulas, darem notas tão descontextualizadas que era óbvio que nem para os trabalhos tinham olhado (isto quando se lembravam de darem as notas e não precisavam de serem recordados, por telemóvel, que tinham um prazo para o fazer), admitirem que o tanto trabalho que tinham para fazer era tanto que as aulas do semestre não seriam dadas, despacharem as apresentações porque, admitiam, estavam "com dor de cabeça", repetirem, ad nauseam, a exacta mesma matéria ao longo de diferentes cadeiras em diferentes anos, aproveitarem os alunos para realizar o trabalho mais pesado do doutoramento. Argumenta-se que aos alunos do Superior é exigido um nível de entrega e trabalho que não se compadece com aulas interessantes, mas é uma ideia tão rasa que permite a determinados "profissionais" do ramo não prepararem as aulas, limitando-se a ficarem sentados enquanto debitam discursos monocórdicos sem um acetato, um Powerpoint, uma bibliografia.
Com este chorrilho de disparates, não foi um acaso que o curso tivesse encerrado portas, e ainda menos um acaso que todos os meninos acima referidos tivessem continuado confortavelmente instalados, sem uma prestação de contas profissionais ou sequer uma preocupação em relação ao futuro dos alunos de quem se disseram preocupados. Mas o futuro desses alunos é motivo para uma próxima oportunidade...
Estive ontem a ver o Prós & Contras, em relação à nova ponte de Lisboa, e ainda não percebi se é mesmo necessária a terceita travessia do Tejo. Agora, sei que a travessia das pontes é um atrofio, que basta haver um mau acidente na 25 de Abril para toda a cidade ficar entupida, que pela Vasco da Gama, a menos concorrida das duas, passam uns sessenta mil veículos por dia, etc, etc, etc.
O que não vejo é alguém a explicar, matematicamente, a necessidade imperiosa da ligação Chelas - Barreiro. Repare-se, não é uma pequena graçola que se quer fazer em cima de um minúsculo ribeiro, é um projecto com um custo de mil e setecentos milhões de euros, mais derrapagens orçamentais, mais impacto sonoro, ambiental, estético, etc, etc, etc.
Mostrem, demonstrem, que realmente uma terceira ponte vai dar solução ao trânsito caótico. Há modelos matemáticos, análises estatísticas, pontos de benchmarking, que podem ser analisados. Quantos carros vão ser desviados? Que nível de fluxo rodoviário? Quais as análises de custo-benefício? Que percentagens vão sair de Lisboa e da Margem Sul? Porque, até onde sei, a Vasco da Gama esteve longe de dar um resultado satisfatório aos que se pretendia, i.e., continuou a entupir a 25 de Abril e a desfazer a pachorra de quem a cruza todos os dias.
Parece-me ser um ponto insistente, o de apostarem nas estupidificantemente megalómanas obras - o novo aeroporto, o TGV, as pontes sobre o Tejo - sem que ao menos justifiquem o porquê. Primeiro decide-se que se faz, depois decidem-se as mariquices, se fica mais para a esquerda, se fica bonito, se com treliças ou com vãos, e depois, muito depois, lá alguém percebe que talvez não tenha sido grande ideia. Parece-me coisa para dar mau resultado: qualquer dia apostam em, sei lá, meter-se na organização de uma enorme competição desportiva para depois dá uma caca descomunal e ficam abandonados os investimentos de milhões de euros. Mas enfim, que sei eu!